A solenidade de Cristo, Rei do Universo, e o dia dos cristãos leigos e leigas
O Ano Litúrgico segue uma lógica diferente do ano civil. Este último, como sabemos, termina no dia 31 de dezembro e, a 01 de janeiro, inicia-se o novo ciclo. Do ponto de vista litúrgico, porém, o que marca o “encerramento do ano” é a última semana do Tempo Comum, em cujo domingo se celebra a Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo, que, neste ano, é celebrada no dia 22 de novembro.
A antífona de entrada da missa desta solenidade nos dá a motivação e a razão pela qual celebramos Cristo como rei: O Cordeiro que foi imolado é digno de receber o poder, a divindade, a sabedoria, a força e a honra. A ele glória e poder através dos séculos (Ap 5,12;1,6). De igual modo, o prefácio da celebração nos ensina que o Reino é de Deus; Ele é o Rei supremo. Cristo, no entanto, foi enviado para ir consolidando este Reino, até “devolvê-lo”, de modo definitivo, ao Pai: "Ele, oferecendo-se na Cruz, vítima pura e pacífica, realizou a redenção da humanidade. Submetendo ao seu poder toda criatura, entregará à vossa infinita majestade um reino eterno e universal: reino da verdade e da vida, reino da santidade e da graça, reino da justiça, do amor e da paz". Este ensinamento é bíblico: "A seguir, haverá o fim, quando ele entregar o reino a Deus Pai, depois de ter destruído todo Principado, toda Autoridade, todo Poder. Pois é preciso que ele reine, até que tenha posto todos os seus inimigos debaixo dos seus pés. O último inimigo a ser destruído será a Morte, pois ele tudo pôs tudo debaixo dos pés dele. Mas, quando ele disser: “Tudo está submetido”, evidentemente excluir-se-á aquele que tudo lhe submeteu. E, quando todas as coisas lhe tiverem sido submetidas, então o próprio Filho se submeterá àquele que tudo lhe submeteu, para que Deus seja tudo em todos” (1Cor 15,24-28).
O Reino de Deus se constitui, portanto, como uma resposta aos anseios mais profundos de todo ser humano. Todos nós, neste mundo, experimentamos realidades de violência, opressão, marginalização, pobreza, indiferença e desejamos mudá-las, embora, ao mesmo tempo, percebamos que sozinhos não podemos lutar contra elas, porque também há forças e mecanismos a quem essa realidade interessa. Então, lançamos o olhar para a realidade da fé: é preciso que Alguém de fora venha para ser nosso auxiliador nessa missão; esse Alguém quis não só nos ajudar à distância, mas se fez homem, para que aprendêssemos de verdade o que é ser humano e a como transformar essa realidade. Portanto, o Reino de Deus não é apenas uma realidade que se tornará concreta após esta vida e, portanto, precisamos aceitá-la tal qual ela é. Como cristãos, anunciamos um jeito de viver, sobretudo; logo, o Reino de Deus começa já aqui, mas, como dizemos, é sempre a velha tensão entre o já e o ainda não: nós o começamos aqui, mas a plenitude será apenas no dia em que Jesus voltar.
Neste sentido, alguém talvez possa se perguntar: como eu, morando aqui no meu bairro, posso ajudar a tornar o Reino presente? A receita se ouve no Evangelho: se damos um prato de comida a quem tem fome; se damos um copo d´água a quem tem sede; se nos dispomos a gastar tempo visitando os doentes ou os presos; se somos generosos, sabendo doar um pouco de nós mesmos para o outro... Nestes pequenos gestos, o Reino de Deus vai acontecendo, porque sempre que ajudamos alguém, significa que aprendemos, de verdade, o que é ser ccristão: ver, no rosto do outro, o próprio Cristo. Todas as vezes que fizestes isso a um dos meus irmãos menores, foi a mim que o fizestes! (cf. Mt 25,40).
Na solenidade de Cristo, Rei do Universo, como já é costume em nossa Igreja, também se celebra o Dia dos Cristãos Leigos e Leigas, os quais, cada vez mais, são chamados a serem verdadeiros sujeitos eclesiais. "Ser sujeito eclesial significa ser maduro na fé, testemunhar amor à Igreja, servir os irmãos e irmãs, permanecer no seguimento de Jesus, na escuta obediente à inspiração do Espírito Santo e ter coragem, criatividade e ousadia para dar testemunho de Cristo" (CNBB, doc. 105, 119). "De fato, os cristãos são chamados a serem os olhos, os ouvidos, as mãos, a boca, o coração de Cristo na Igreja e no mundo" (CNBB, doc. 105, 102), mesmo porque "Cristo não tem mais mãos, ele tem somente as nossas mãos para cumprir hoje as suas obras. Cristo não tem pés, ele tem somente nossos pés para ir hoje ao encontro dos homens. Cristo não tem mais voz, tem somente nossa voz para falar hoje de si. Cristo não tem mais forças, tem somente nossas forças para conduzir os homens para si. Cristo não tem mais Evangelhos que os homens possam ainda ler. Mas aquilo que fazemos em palavras e obras é o Evangelho que está sendo escrito" (in: FRISULLO, Vicente. Espiritualidade e Missão do Catequista, p. 39).
Por isso, "ser cristão, sujeito eclesial, e ser cidadão não pode ser vistos de maneira separada" (CNBB, doc. 105, 164). Este é, inclusive, um desafio eclesial que o Papa Francisco levantou na Exortação Apostólica Evangelii Gaudium: "Apesar de se notar uma maior participação de muitos nos ministérios laicais, este compromisso não se reflete na penetração dos valores cristãos no mundo social, político e econômico; limita-se muitas vezes às tarefas no seio da Igreja, sem um empenhamento real pela aplicação do Evangelho na transformação da sociedade. A formação dos leigos e a evangelização das categorias profissionais e intelectuais constituem um importante desafio pastoral" (EG 102).
Que todos os leigos e leigas não deixem de acreditar e de se empenhar num outro mundo possível. De fato, apesar dos percalços do nosso tempo, cada um ainda é exortado a colaborar assiduamente na transformação da sociedade, na firme esperança de que, enquanto caminha, a água se transformará em vinho. Façamos a nossa parte, para que o Senhor, Rei do Universo, faça a Dele.
Pe. Tiago Cosmo da S. Dias
Neste semestre, lecionou 'Teologia Pastoral' para os alunos do 3º ano do curso de Teologia do nosso Instituto. É vigário paroquial na Basílica de Nossa Senhora da Penha e coordenador diocesano da PASCOM. É também aluno do Programa de Estudos em Pós-Graduação em Teologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), com enfoque em Teologia Sistemática. É membro do Grupo de Pesquisa 'Religião e Política no Brasil Contemporâneo' (PUC-SP-CNPQ).