Audiência Geral de 26 de janeiro de 2022
PAPA FRANCISCO
AUDIÊNCIA GERAL
Sala Paulo VI
Quarta-feira, 26 de janeiro de 2022
Catequese sobre São José 9. São José, homem que "sonha"
Estimados irmãos e irmãs, bom dia!
Hoje gostaria de me concentrar na figura de São José como homem que sonha. Na Bíblia, como nas culturas dos povos antigos, os sonhos eram considerados um meio pelo qual Deus se revelava (Cf. Gn 20, 3; 28, 12; 31, 11.24; 40, 8; 41, 1-32; Nm 12, 6; 1 Sm 3, 3-10; Dn 2; 4; Job 33, 15.). O sonho simboliza a vida espiritual de cada um de nós, o espaço interior, que cada um é chamado a cultivar e preservar, onde Deus se manifesta e muitas vezes nos fala. Mas devemos também dizer que dentro de cada um não existe apenas a voz de Deus: existem muitas outras vozes. Por exemplo, as vozes dos nossos receios, as vozes das experiências passadas, as vozes das esperanças; e há também a voz do maligno que nos quer enganar e confundir. Por conseguinte, é importante ser capaz de reconhecer a voz de Deus no meio de outras vozes. José demonstra que sabe cultivar o silêncio necessário e, sobretudo, tomar as decisões corretas perante a Palavra que o Senhor lhe dirige interiormente. Hoje, será bom para nós retomarmos os quatro sonhos do Evangelho que o têm como protagonista, para compreender como nos colocarmos perante a revelação de Deus. O Evangelho narra-nos quatro sonhos de José.
No primeiro sonho (cf. Mt 1, 18-25), o anjo ajuda José a resolver o drama que o assola quando soube da gravidez de Maria: «Não temas receber Maria por esposa, pois o que nela foi concebido vem do Espírito Santo. Ela dará à luz um filho, a quem porás o nome de Jesus, porque ele salvará o seu povo dos seus pecados» (vv. 20-21). E a sua resposta foi imediata: «Despertando, José fez como o anjo do Senhor lhe havia mandado» (v. 24). Muitas vezes a vida coloca-nos diante de situações que não compreendemos e que parecem não ter solução. Rezar nesses momentos significa deixar que o Senhor nos indique o que é justo fazer. Na verdade, muitas vezes é a oração que nos dá a intuição da saída, como resolver aquela situação. Caros irmãos e irmãs, o Senhor nunca permite que um problema surja sem nos conceder também a ajuda necessária para o enfrentar. Não nos lança sozinhos na fornalha. Não nos lança no meio das feras. Não. O Senhor quando nos mostra um problema ou revela um problema, dá-nos sempre a intuição, a ajuda, a sua presença, para sairmos dele, para o resolver.
O segundo sonho revelador de José chega quando a vida do menino Jesus está em perigo. A mensagem é clara: «Levanta-te, toma o menino e sua mãe e vai para o Egito; fica lá até que eu te avise, porque Herodes vai procurar o menino para o matar» (Mt 2, 13). José obedeceu sem hesitação: «Levantou-se durante a noite, tomou o menino e a sua mãe e partiu para o Egito. Ali permaneceu até à morte de Herodes» (vv. 14-15). Na vida, todos nós experimentamos perigos que ameaçam a nossa existência ou a daqueles que amamos. Nestas situações, rezar significa ouvir a voz que nos pode dar a mesma coragem de José, para enfrentar as dificuldades sem sucumbir.
No Egito, José espera um sinal de Deus para poder regressar a casa, e este é o conteúdo do terceiro sonho. O anjo revela-lhe que aqueles que queriam matar o menino morreram e ordena-lhe que parta com Maria e Jesus e regresse à pátria (cf. Mt 2, 19-20). José «levantou-se, tomou o menino e a sua mãe e foi para a terra de Israel» (v. 21). Mas precisamente na viagem de regresso, «ao ouvir que Arquelau reinava na Judeia, no lugar de seu pai Herodes, não ousou ir para lá» (v. 22). Eis então a quarta revelação: «Advertido em sonhos, retirou-se para a região da Galileia e foi morar numa cidade chamada Nazaré» (vv. 22-23). O medo também faz parte da vida e precisa da nossa oração. Deus não nos promete que nunca teremos medo, mas que, com a sua ajuda, este não será o critério para as nossas decisões. José experimenta o medo, mas Deus guia-o através dele. O poder da oração ilumina as situações de escuridão.
Penso neste momento em tantas pessoas que estão esmagadas pelo peso da vida e já não conseguem ter esperança nem rezar. Que São José as ajude a abrir-se ao diálogo com Deus, para encontrar luz, força e paz. E penso também nos pais diante dos problemas dos filhos. Filhos com muitas doenças, filhos doentes, inclusive com enfermidades permanentes: quanto sofrimento nisto. Pais que veem orientações sexuais diferentes nos filhos; como gerir isto e acompanhar os filhos e não se esconder numa atitude condenatória. Pais que veem os filhos que vão embora, morrem, por causa de uma doença e também – é mais triste, lemos todos os dias nos jornais – jovens que fazem leviandades e acabam num acidente de carro. Os pais que veem os filhos que não rendem na escola e não sabem o que fazer… Muitos problemas dos pais. Pensemos em como os ajudar. E a estes pais, digo: não vos assusteis. Sim, há o sofrimento. Muito. Mas pensai como José resolveu os problemas e pedi a José que vos ajude. Nunca condeneis um filho. Sinto tanta ternura – também em Buenos Aires – quando ia de autocarro e passava diante da prisão: havia uma fila de pessoas que esperavam para entrar e visitar os encarcerados. E estavam ali as mães, faziam-me sentir tanta ternura: face ao problema de um filho que errou, foi preso, não o deixavam sozinho, encaravam o problema e acompanhavam-no. Esta coragem; coragem de pai e de mãe que acompanham os filhos sempre, sempre. Peçamos ao Senhor que conceda a todos os pais e a todas as mães esta coragem que deu a José. E depois rezar a fim de que o Senhor nos ajude nestes momentos.
A oração, no entanto, nunca é um gesto abstrato nem intimista, como querem fazer aqueles movimentos espirituais mais gnósticos do que cristãos. Não, não é isto. A oração está sempre indissociavelmente ligada à caridade. Só quando unimos a oração com o amor, o amor pelos filhos, como o caso que acabei de mencionar, ou o amor ao próximo, somos capazes de compreender as mensagens do Senhor. José rezava, trabalhava e amava – três ações boas para os pais: rezar, trabalhar e amar – e por isso recebeu sempre o necessário para enfrentar as provações da vida. Confiemo-nos a ele e à sua intercessão.
São José, vós sois o homem que sonha,
ensinai-nos a recuperar a vida espiritual
como o lugar interior onde Deus se manifesta e nos salva.
Retirai de nós o pensamento de que rezar é inútil;
ajudai cada um de nós a corresponder ao que o Senhor nos indica.
Que o nosso raciocínio seja irradiado pela luz do Espírito,
o nosso coração encorajado pela Sua força
e os nossos receios salvos pela Sua misericórdia. Amém.
Saudações:
Caros peregrinos de língua portuguesa, as minhas cordiais boas-vindas. Lembrai-vos sempre de agradecer a Deus o dom da Sua proximidade que nos permite sonhar um mundo novo e construí-lo a partir da Sua Palavra de vida. São José nos ajude a não nos cansarmos jamais da oração, fonte de alívio e coragem no nosso caminho. Que a Bênção do Senhor desça sobre todos vós!
APELO
Amanhã celebra-se o Dia internacional da memória das vítimas do Holocausto. Devemos recordar o extermínio de milhões de judeus e de pessoas de diferentes nacionalidades e credos religiosos. Esta crueldade indescritível não deve voltar a repetir-se! Apelo a todos, especialmente educadores e famílias, para que fomentem nas novas gerações uma consciência do horror desta página obscura da história. Não deve ser esquecida, para que possamos construir um futuro no qual a dignidade humana não volte a ser espezinhada.
Antes do Pai Nosso
E agora, com o Pai Nosso, convido-vos a rezar pela paz na Ucrânia, e a fazê-lo muitas vezes durante este dia: peçamos ao Senhor com insistência que aquela terra possa ver florescer a fraternidade e superar feridas, medos e divisões. Falamos do holocausto; mas pensai que [na Ucrânia) foram aniquiladas mais de cinco milhões de pessoas [1932-1933]. É um povo sofredor; sofreu a fome, sofreu tantas crueldades e merece a paz. Que as orações e súplicas, que hoje se elevam ao Céu, toquem as mentes e os corações dos responsáveis na terra, para que façam prevalecer o diálogo, e o bem de todos seja colocado acima dos interesses de parte. Por favor, nunca mais a guerra!
Resumo da catequese do Santo Padre:
São José aparece como um homem que sonha. Na Bíblia e nas culturas antigas, o sonho simbolizava a vida espiritual, porque através dele Deus manifestava-se e falava no íntimo de cada um. No entanto, dentro de nós não existe apenas a voz de Deus, existem muitas outras vozes: a voz dos nossos medos, de experiências passadas, de esperanças, e até a voz do maligno que nos quer enganar e confundir. Por isso, é importante discernir qual é a voz de Deus. São José, porque se acostumou ao silêncio e à oração, foi capaz de dialogar com Deus no seu interior. Isso mesmo testemunham quatro sonhos que teve. No primeiro, o anjo ajuda-o a resolver o drama que lhe causou a inesperada gravidez de Maria; a partir do segundo decide fugir para o Egito, porque a vida de Jesus corria perigo; já em terra estrangeira, José espera um sinal de Deus, que chega no terceiro sonho e lhe permite voltar para casa; por fim, quando José regressava, ao saber que a Judeia ainda não era lugar seguro, sentiu medo, mas graças à mensagem do quarto sonho, não se deixou abater e decidiu ir para Nazaré, na Galileia. Estas preocupações e estes sonhos de José fazem-me pensar em muitas pessoas esmagadas pelo peso da vida, que já não conseguem dialogar com Deus. Que São José as ajude a reencontrar o Senhor, que afugenta os medos, e a redescobrir na oração a força do amor que eleva.
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