“O que é ser bispo em propulsão do Papa Francisco''
O tema proposto para esta alocução procura ser um tanto provocador. Ao desejo do papa de levar a Igreja ao encontro das grandes preocupações do mundo de hoje parece se contrapor a ação dos bispos e das Igrejas particulares. Mas isso é só aparência, pois a caminhada da Igreja sempre dependeu da caminhada do povo de Deus.
As realidades, no entanto, são muito diversificadas no mundo inteiro. O papa convida a sermos igreja em saída também para ir ao encontro dessa diversidade dentro da igreja onde há muitas necessidades que não estão sendo atendidas.
Os bispos devem estar em plena sintonia com o papa para que a colegialidade seja exercida em plenitude. E isso não deve acontecer só com relação ao papa Francisco, mas com todos os papas que se sucedem na cátedra de Pedro.
Nessa alocução gostaria de pontuar algumas questões:
- O bispo não é um corpo estranho que, como um vírus, infecta a diocese para a qual ele é encaminhado por determinação da Igreja. Ele não pede para vir, é nomeado e enviado sem consulta ao clero e muito menos aos leigos de determinada diocese, se o querem ali;
- Antes do terceiro grau do Sacramento da Ordem, o bispo era um presbítero e, portanto, sua atuação no ministério episcopal irá depender muito do como foi sua atuação como vigário paroquial, como pároco, como assumia os trabalhos de sua diocese, de seu engajamento nas causas sociais, de sua maneira de viver, norteada ou não pelo espírito de desprendimento e pobreza, enfim pelo seu “modus vivendi”;
- O bispo não fica bispo para o papa, mas sim para a Igreja. É mais que óbvio que o espírito de comunhão que se exerce no colegiado episcopal pressupõe estar afinado com a direção do ministério petrino. No entanto sai um papa e entra outro e a igreja continua com seus tesouros adquiridos na tradição cristã, frutos de sua atuação dentro da história;
- Desde o século passado a igreja tem procurado avançar na sua missão no mundo e as propostas do papa Francisco, feitas procurando alavancar a caminhada da igreja para que não fique atrasada em relação ao caminhar da história, encontra respaldo no Concílio Ecumênico Vaticano II.
Isto posto, volto ao tema: Como ser bispo para entrar em perfeita sintonia com o desejo do Papa Francisco de empurrar a Igreja para a frente diminuindo a barreira entre suas propostas e práticas e o desenvolvimento dos povos no mundo de informações globalizadas e de uma economia capitalista mundializada?
É compreensível que o papa se dirija aos bispos. Ele acredita que a hierarquia da Igreja deve ser um instrumento de atuação em favor do povo de Deus que caminha na história.
Ou seja, o papa é bispo de Roma e respeita os bispos do mundo inteiro. Por isso pede aos bispos que reavaliem sua atuação apresentando temas e propostas que permitam um autoexame do desempenho de sua missão.
O papa tem grande apreço pelos mais pobres e reconhece que a fé entra na Igreja através do coração dos pobres. Não serão os discursos mais eloquentes e nem as teses mais elaboradas que despertarão a fé, mas sim a compreensão da mística da pobreza evangélica e a certeza da predileção de Deus para com os desvalidos que atrairão, pelo testemunho, pessoas encantadas e fascinadas com a bondade e a misericórdia de Deus.
Dar respostas aos anseios, às necessidades, às inquietações, à consciência de fragilidade e de desmotivação da esperança é o que fortalece a ação da Igreja por lhe dar a autoridade de ser um forte referencial da compaixão e misericórdia de Deus.
- O papa apresenta sugestões para que a igreja cumpra a sua missão no mundo. Dentre elas podemos destacar:
- Uma Igreja corajosa, sem medo de entrar nas estruturas de pecado que se apresentam no mundo de hoje;
- Uma Igreja que caminha com o povo dando a ele condições de que seus questionamentos sejam ouvidos e suas necessidades atendidas;
- Uma Igreja que dialoga com todos, mas sempre a partir do ponto de vista dos pobres, convidando a todos a participarem da vida de comunhão, fugindo do “isolacionismo” e do individualismo próprios do nosso tempo;
- Uma Igreja que entusiasma seus participantes, que se alimentam das belas fontes da nossa tradição apostólica: na celebração de uma Liturgia que louva a Deus de coração sincero e cheio de esperança, na vivência do mistério pascal de Jesus Cristo na sua prática libertadora, na sua paixão redentora, na sua morte salvadora, na sua ressurreição vitoriosa, na sua ascensão gloriosa e sua presença viva e eficaz nos caminhos da história;
- Uma Igreja que vive sua prática pastoral na fonte da Palavra Viva da Sagrada Escritura, na Catequese que insere as pessoas na vida de comunhão fraterna, no apreço aos Sacramentos, na caridade vivida na Comunidade, na comunhão dos Santos, na purificação de suas devoções, enfim uma Igreja que faz da Oração seu canal direto de ligação com os valores eternos;
O papa tem lembrado que é preciso fazer crescer a colegialidade e a solidariedade, onde haja unidade na riqueza da diversidade. E isso deve valer para todos para que cresça a consciência de corresponsabilidade.
Vejam a dificuldade de se transferir padres que se apegam muito mais ao seu espaço do que à sua missão no presbitério da sua diocese.
Ou ainda os que não se sentem responsáveis pelos compromissos com as contas da Igreja e fazem injustiça aos seus colegas que honram seus compromissos com assiduidade e espírito generoso.
Os bens da Igreja, de ordem material ou espiritual, pertencem ao povo de Deus. Lembra ainda o papa que estamos, como Igreja, em dívida com as mulheres que devem ter promovidos seu papel ativo e imprescindível na comunidade eclesial.
Para terminar minha participação pontuo algumas admoestações que me parecem importantes do ponto de vista da prática:
- Os bispos devem dar atenção para que o nosso trabalho, de bispos e padres, seja tão pastoral quanto administrativo;
- Promover espaços e ocasiões para manifestar a misericórdia de Deus;
- Fazer com que os fiéis leigos sejam participantes da Missão da Igreja com toda a responsabilidade e consciência de que, quem nos envia é o próprio Cristo;
- Fazer dos conselhos diocesanos e paroquiais de pastoral e de assuntos econômicos, espaços reais para a participação laical na consulta, organização e planejamento pastoral;
- Banir a tentação de manipular ou submeter a participação leiga, dando-lhes a oportunidade do discernimento no seu processo de discípulos e discípulas que aprendem a colocar no centro de sua motivação a pessoa de Jesus Cristo.
- E como devem ser os bispos? Que atributos devem ter para fazer valer e se implantar uma eclesiologia inserida na história e que privilegia a transformação das estruturas de injustiça e opressão presentes no mundo? Como sair do atraso de nossas práticas para a “hodiernidade” das nossas necessidades?
Cito aqui um resumo que já foi elaborado e que apresenta os seguintes tópicos:
Os bispos devem ser:
- Pastores;
- próximos das pessoas;
- pais e irmãos, com muita mansidão;
- pacientes e misericordiosos;
- Homens que amem a pobreza, quer a pobreza interior como liberdade diante do Senhor, quer a pobreza exterior como simplicidade e austeridade de vida;
- Homens que não tenham 'psicologia de príncipes';
- Homens que não sejam ambiciosos e que sejam esposos de uma Igreja sem viver na expectativa de outra;
- Homens capazes de vigiar sobre o rebanho que lhes foi confiado e cuidando de tudo aquilo que o mantém unido: vigiar sobre o seu povo com atenção para os eventuais perigos que o ameacem mas, sobretudo, para cuidar da esperança: que haja sol e luz nos corações;
- Homens capazes de sustentar com amor e paciência os passos de Deus em seu povo. E o lugar do bispo para estar com o seu povo é triplo: ou à frente para indicar o caminho, ou no meio para mantê-lo unido e neutralizar as debandadas, ou atrás para evitar que alguém fique para trás. Mas fundamentalmente, porque o próprio rebanho tem o seu faro para encontrar novos caminhos.
Para a escolha de novos bispos o papa deve levar em consideração estas indicações. Então que os padres estejam preparados para que, se chamados, apresentem estas características e respondam com obediência.
A história tem nos atropelado com mudanças bruscas e repentinas. Estamos tentando digerir algumas tantas decepções quando outras tantas surgem de repente.
Acredito que a Igreja tem capacidade de reagir desde que seus ministros estejam preparados para os sacrifícios decorrentes de toda mudança de comportamento.
Como ser bispo com tantos atributos que dele se espera para uma Igreja em saída, comprometida com a causa do pobre? Existe alguma receita
Penso que não, pois, novos apelos sempre aparecerão. O tempo não para nem espera por ninguém. Que cada um busque cumprir bem sua missão com a consciência bem formada e tranquila, que saiba exercer seu papel dentro da vida da Igreja não se deixando guiar por ideologias passageiras e carentes de agentes comprometidos com a causa do bem comum e que, além disso, esteja motivado para assumir seu compromisso com a caminhada histórica do povo.
Dom Manuel Parrado Carral