O Caminho Espiritual da Quaresma
EQUIPE DIOCESANA DE MINISTÉRIOS NÃO ORDENADOS
SUBSÍDIO DE FORMAÇÃO PARA REUNIÕES PAROQUIAIS - 01
Breve histórico do Tempo Quaresmal:
As primeiras alusões a um período de preparação pré-pascal se dão no início do séc. IV para o Oriente (monges egípcios) e no final do séc. IV no Ocidente (contribuiu para isto a reconciliação dos pecadores que ocorria na manhã da Quinta-feira Santa e o catecumenato para o Batismo). Ex.: Hipólito de Roma (séc. IV): organizou um Catecumenato em preparação para os sacramentos da iniciação cristã que durava três anos, sendo que 40 dias antes do Batismo – o qual se dava na Vigília Pascal – havia uma preparação mais intensa.
O lecionário dominical do ano A vem desta época e as leituras foram escolhidas para desenvolver-se a reflexão a respeito da importância do Batismo e da vida em Cristo, por isso é chamado de Ciclo Batismal. Assim temos: 1º Mt 4, 1-11 (as tentações); 2º Mt 17, 1-9 (a transfiguração de Jesus); 3º Jo 4, 5-42 (a Samaritana); 4º Jo 9, 1-41 (o cego de nascença); 5º Jo 11, 1-45 (a Ressurreição de Lázaro). No ano B a Quaresma é mais Cristocêntrica, ao passo que no ano C é mais Penitencial. Os prefácios da Quaresma destacam diversos aspectos do sentido espiritual deste tempo litúrgico como, por exemplo, o prefácio V:
"Na verdade, é justo e necessário, é nosso dever e salvação louvar-vos, Pai santo, rico em misericórdia, e bendizer vosso nome, enquanto caminhamos para a Páscoa, seguindo as pegadas de Jesus Cristo, Vosso Filho e Senhor Nosso, Mestre e modelo da humanidade, Reconciliada e pacificada no amor. Vós reabris para a Igreja, durante esta Quaresma, a estrada do Êxodo, para que ela, aos pés da montanha sagrada, humildemente tome consciência de sua vocação de povo da aliança. E, celebrando vossos louvores, escute vossa Palavra e experimente os vossos prodígios”.
Por que 40 dias?
O número 40 é simbólico e faz referências a muitos fatos importantes na Sagrada Escritura, como, por exemplo, “a chuva que causou o dilúvio durou 40 dias e 40 noites (Gn 7, 12-17); Isaac casou-se aos 40 anos (Gn 25,20); a terra descansou por 40 dias (Jz 5, 32; 8,28); Moisés jejuou por 40 dias e 40 noites sobre o Monte Sinai (Ex 24, 18); a exploração da terra a ser conquistada pelos judeus durou 40 dias (Nm 13,25; 14,34); a viagem de Elias para o Monte Horeb durou 40 dias e 40 noites (1Rs 19,8); Jonas pregou em Nínive durante 40 dias (Jn 3,4); Jesus jejuou durante 40 dias e 40 noites no deserto (Mt 4,2), apareceu aos discípulos e com eles ficou por 40 dias [1]”; os 40 anos de caminhada do Povo de Deus pelo deserto em busca da Terra Prometida (Ex 16,35).
O sentido da referência ao “Deserto”: É o lugar do primeiro amor, quando Israel (a esposa) correspondia ao amor de Deus (Os 2,17; 11,1); é o lugar e o tempo de salvação e primeiro amor: Jr 2,2ss; Is 63, 11-13 (ref. Teológica); vide Sl 77, 20ss; 78, 52ss; 105, 38-41...; é também lugar de encontro e purificação.
«“A observância anual da Quaresma é tempo favorável pelo qual se sobe ao monte santo da Páscoa...” (CB 249). Quaresma e Páscoa, portanto, são dois tempos profundamente conexos entre si. Celebram o mesmo e único mistério sob aspectos diferentes, muito bem expresso por santo Agostinho no seu comentário ao Salmo 148:
“Decorra a vida presente no louvor de Deus, porque a eterna alegria de nossa vida futura será o louvor de Deus. Ninguém será idôneo para a vida futura, se de certo modo agora não se exercitar para isso. Agora, portanto, louvamos a Deus, mas também lhe suplicamos. Nosso louvor é alegria, nossa oração é gemido. Foi-nos prometido algo que ainda não possuímos; sendo veraz o Senhor que prometeu, alegramo-nos na esperança; entretanto, não tendo ainda o objeto de nossa esperança, gememos cheios de desejos. É bom perseverar nesses anelos, até que venha o que foi prometido, passe o gemido, suceda apenas o louvor. Por causa destas duas fases, uma a das tentações e tribulações da vida presente, outra a futura em segurança e alegrias perpétuas, foi instituída a celebração de dois tempos: um antes da Páscoa e outro depois da Páscoa. O tempo precedente à Páscoa figura a tribulação em que nos achamos; o que agora celebramos após a Páscoa lembra a felicidade futura em que nos acharemos. Antes da Páscoa, portanto, celebramos o que vivemos; depois da Páscoa celebramos, assinalando, o que ainda não temos. Por isso, no primeiro tempo exercitamo-nos em jejuns e orações; agora, terminados os jejuns, passamos o tempo em louvores. Tal é o sentido do Aleluia que cantamos. Aleluia se traduz para o latim, como sabeis, por: ‘Louvai ao Senhor’. O primeiro tempo, portanto, representa a fase anterior à ressurreição; o segundo, a posterior à ressurreição do Senhor. Significa a vida futura, que ainda não possuímos [...]”»[2].»
Compromissos em vista da Quaresma e da preparação para a Páscoa: Reassumir o Batismo – Rm 6, 1-11; penitenciar-se em vista da conversão (jejum, esmola, oração) - 1Cor 9, 24-27; Lc 15,18; reavivar a fé, esperança e caridade; em resumo: PARTICIPAÇÃO NO MISTÉRIO PASCAL DE CRISTO (Rm 8,17). O cristão autêntico vive em constante “quaresma”, isto é, em constante processo de conversão.
OS EVANGELHOS DOS DOMINGOS DA QUARESMA – ANO C
No primeiro domingo da Quaresma deste ano temos o Evangelho de Lc 4, 1-13 (as tentações). Jesus é conduzido pelo Espírito ao deserto para ser tentado pelo diabo. Aquilo que ocorre com Jesus é paradigma para todos os seus discípulos de todos os tempos. Também nós, após o batismo, estamos sujeitos a uma enorme gama de tentações, as quais são resumidas naquelas três pelas quais Jesus passa. Em cada momento de nossa vida, e mesmo de nosso dia, estamos diante de duas opções: o caminho da vida (a superação da tentação tendo em vista a vontade soberana de Deus que é caminho de liberdade) ou o caminho da morte (a confiança na própria força, nos próprios méritos e nos bens, julgando-se senhor da verdade e aquele que define o que é bem e o que é mal). É necessário, portanto, que estejamos alertas, vigilantes. Aí entram os remédios da oração e dos sacramentos, da meditação e vivência da Palavra, do jejum e da caridade fraterna. Como tornar estes remédios ações concretas e bem determinadas em nossa vida e em nossa comunidade? Como encarnar este caminho de libertação?
No segundo domingo nos é proposto o evangelho de Lc 9, 28-36 (a transfiguração de Jesus). Neste mistério da vida de Jesus temos muitas coisas a serem notadas: ele tem a ver com nossa vida e o seguimento de Jesus; o lugar escolhido (a montanha, símbolo do encontro com Deus); a presença da nuvem e da voz (sinais do Espírito e do Pai – toda a Trindade opera em favor de nossa salvação); a presença de Moisés e Elias (a Lei e os Profetas que agora dão lugar à revelação plena do Pai, que é Jesus); a frase proferida pelo Pai: “Este é o meu filho amado, escutai-o!” (é a Ele que agora devemos ouvir, Ele é a Palavra definitiva do Pai). A partir destes elementos meditemos sobre nossa condição de batizados. Somos chamados a deixarmo-nos transfigurar por Cristo, por meio do Espírito, escutando a sua voz (Evangelho) e deixando-nos abraçar pela ternura de Deus que nos envolve (a nuvem). É grande a nossa dignidade de filhos de Deus! O processo de conversão-transfiguração é contínuo e não deve terminar em nós, mas, através de nós, transfigurar também o mundo e a realidade presente: descer do monte para a missão! Nossa comunidade é uma comunidade transfigurada à luz do Evangelho?
O terceiro domingo desta quaresma proclama o evangelho de Lc 13, 1-9 (os galileus mortos e a figueira estéril). Diante da notícia de galileus mortos por Herodes, Jesus faz um apelo à conversão, depois conta a parábola da figueira estéril, a qual fala da paciência de Deus para com o ser humano que resiste à graça que produz vida. O desejo de Deus é a salvação de todos e a completa transformação de um mundo de dor e sofrimento na realidade nova do Reino de justiça e paz. Para isso Ele quis contar conosco. Os frutos dependerão de nossa resposta: negativa ou positiva, mais generosa ou menos generosa. Nossa comunidade é uma comunidade generosa para com Deus e o próximo? Capaz de produzir frutos bons para o Reino?
No quarto domingo, por sua vez, o evangelho é de Lc 15, 1-3.11-32 (o Pai misericordioso e o filho pródigo). Esta parábola nos é bem conhecida. Nela a ênfase está na misericórdia do Pai que nunca desiste do filho que partiu para longe dele, bem como para com aquele filho que lhe permanece fiel. A atitude do filho pródigo merecia censura, mas pelo fato dele ter “caído em si” e retornado, o Pai lhe acolhe num abraço cheio de ternura e compaixão. É a atitude do Pai para conosco, através de Jesus. Entretanto, há os que não são capazes de exercer compaixão, não admitem a misericórdia: é o caso do irmão mais velho. No relacionamento na comunidade às vezes agimos assim também, e queremos arrancar o que julgamos joio. Jesus ensina que joio e trigo crescem juntos e só na colheita (plenitude do Reino) eles serão separados. Por que? Porque o que hoje é joio, amanhã poderá ser trigo! A conversão e a transformação do coração é sempre uma possibilidade. Arrancando o joio antes do tempo, talvez ele nunca poderá se transformar em trigo um dia! Nossa comunidade é acolhedora e misericordiosa?
A série de evangelhos escolhidos para esta Quaresma do Ano C conclui-se no quinto domingo com Jo 8, 1-11 (a mulher pega em adultério). A misericórdia e a ternura de Jesus pelos pecadores é uma marca de seu ministério. Neste episódio Jesus perdoa à pecadora e denuncia a hipocrisia dos que se julgam sem pecado. O alerta para a mulher: “Vá e não peques mais” é o convite a entrar numa nova dinâmica de vida: a dos reconciliados! O ministério da reconciliação continua sendo exercido pela Igreja, a qual é já sinal do povo reconciliado com Deus. Ela é sinal da nova humanidade reconciliada: sinal da comunhão dos seres humanos com Deus e entre si, bem como instrumento de salvação para todos, já que todos são chamados à vida plena em Cristo. Nossa comunidade é uma comunidade de reconciliados? A misericórdia e a compreensão fluem em nossos relacionamentos e nosso trabalho pastoral?